terça-feira, 11 de março de 2008

No Ceará não tem disso não

Por Alex Falcão

Peço licença para citar o rei do baião, mas no Ceará não tem disso não.
Um dos patrimônios de São Paulo é a pressa do cidadão. Com o seu passo acelerado, forte e marcado como quem vive sempre em atraso com a vida.
Vida que passa no trânsito da Marginal, nas filas, no semáforo, na manobra do caminhão. O minuto roubado que buscamos a todo o momento traze-lo de volta.

Se nos perguntássemos o motivo da pressa, a resposta seria convincente?
Justificaríamos a buzina ao carro da frente, a reclamação da fila no supermercado? São Paulo assiste seu povo lutar por esse sopro de tempo a todo instante. Sem perceber, viramos escravos do nosso relógio, cada vez mais alinhado com um atraso constante. Um atraso pra não sei o quê.

A busca pelo tempo perdido se transforma em um perde e ganha diário.
Passamos a contabilizar os 10 minutos perdidos na estação Barra Funda, os 5 minutos recuperados no caixa rápido, os 10 minutos do carro enguiçado, do motoboy atropelado na Rebouças, do sinal fechado. Tudo!

Nessa correria sem fim, tatuada em nossa pele, São Paulo passa a ser uma cidade em movimento. Apreciada somente em movimento, passamos a olhar seus parques de relance, sem um minuto de devoção. Passamos a olhar suas estátuas como vultos, confundidos com qualquer um na rua. Qualquer anônimo, sem nome, sem face, sem história.

Seus prédios são habitados por vizinhos que não se conhecem, que não tem tempo pra si, totalmente inversos as possibilidades que encontramos em cada pessoa. Uma leve decadência do bom dia. Meu pai também diz: “No Ceará não tem disso não”.

São Paulo vive em constante mutação para suprir a sua própria pressa.
Temos entregas pra tudo, supermercados 24 horas, motos malabaristas, ciclistas noturnos, rodízio de carros, faixas de ônibus, helicópteros, ambulâncias encurraladas.

São Paulo tem seu jeito, com ternura e união involuntária.
Quase nos abraçamos no vagão lotado da Sé, ouvimos a respiração um do outro no ônibus e na lotação. Sem querer ou escolher, foi desse jeito que a cidade nos uniu.

Ser diferente em São Paulo não necessita muito esforço. Não precisa mudar o penteado, falar outra língua, ter credo ou cor.
Sentimos-nos diferentes ao desacelerar o passo, deixando a correria de lado, esquecendo as horas, parando de acompanhar o vento. O Paulista escapa da sua cidade andando devagar, lentamente, vendo a cidade passar.

Nenhum comentário:

O nome Pândega quer traduzir nosso propósito: fazer o que gostamos - escrever - e trocar idéias, sem qualquer pretensão que não seja nos divertir e festejar.