terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

Putrefação Poética Paulistana

O letreiro vermelho do motel da frente derrama sua luz sanguínea pelo apartamento, profana os lençóis, as paredes e o insone sobre eles.

Me levanto e caminho para a janela. Gosto de observar a cidade do alto do décimo terceiro andar. Me deixo absorver pelo fluxo luminoso da Nove de Julho, como uma artéria aberta.
São Paulo é um bordel decadente. A Praça da Sé, uma cafetina velha e amorosa, que perdeu o viço da juventude. Abraça caminhoneiros, bêbados, velhos doentes e crianças fedorentas não como clientes, mas como filhos cansados e queridos.

Passear a noite pelo Centro Velho é humanizar-se. Sentir o cheiro das sarjetas, esbarrar nos cachorros sarnentos, ouvir o silêncio das ruas. A fedentina da Sé não vêm do esgoto. O cheiro que escorre pelas narinas, pelas entranhas, pela consciência dos mais sensíveis, vêm das pessoas. Peles famintas, flácidas, jogadas sobre os ossos como mortalhas precoces. Respirar o ar podre do Centro te faz entender que as pessoas fedem mais que os cães e as sarjetas. O terror e o prazer da imersão é descobrir que VOCÊ é uma pessoa. E você fede.

Na paulicéia, Bukowski e Baudelaire se tornam unos no fundo de um copo. A Augusta festeja madrugada a dentro. Mini-saias de Indies, góticas, universitárias, prostitutas e travestis se confundem em um mar de pernas cruzadas e abertas. Bacantes e Sátiros celebram sob luzes estroboscópicas. Um templo dionisíaco de ferro e neón, cachaça e gasolina.

Na cidade do concreto tudo é abstrato. O efêmero reina absoluto onde a aparência é moeda corrente. Poetas e mendigos convivem num mesmo corpo. Favelas e botiques respiram o mesmo ar. Cinemas glamurosos e puteiros são o mesmo esqueleto, e tudo morre e nasce diferente no intervalo de um pôr-do-Sol. São Paulo é um organismo em transformação. Uma alma em transição.

São Paulo é uma galeria frankenstein. Violinistas de rua dividem platéia com repentistas nordestinos, grafiteiros sangram arte a céu aberto nas paredes dos museus fechados, crianças e limões trazem o circo para os faróis fechados. A arte da paulicéia faz sorrir pra não chorar.

Ser paulistano é ser batizado na garoa ácida, no heavy metal dos pistões, no ar nicotinado. É olhar para o céu marrom e sem estrelas e extrair a Lua dos postes de luz amarela. Amar o belo e o disforme das ruas, dos rostos, dos restos.

Qualquer um pode nascer em São Paulo, mas só os poetas são verdadeiramente paulistanos.

Plínio Zúnica


3 comentários:

Anônimo disse...

Zúnica, vc. e seu estilo característico da noite, dos marginais, do lado mais dark, mais punk, mais coturno,mais tudo. É sempre um prazer ler seu texto, como já disse, porque é possível 'sentir' o que vc. tenta nos dizer. Há um trecho, porém, em que vc. tenta criar uma imagem que não me ficou clara( O cheiro que escorre pelas narinas...), ficou confuso porque se é o "sentir o cheiro", a descrição "escorre pelas narinas" me pareceu estranha, por favor, reveja e me diga se há uma equivocada interpretação minha ou se é preciso reorganizar a idéia. Ainda em relação a imagens, será que o quinto parágrafo não deveria vir mais abaixo ? Por que, aparentemente, ele retoma o texto quando refere-se " cidade do concreto tudo é abstrato", parece nos encaminhar para o final, mas, no parágrafo seguinte, volta a detalhar a cidade. Estou exigindo, muito ? Talvez,vc. é quem sabe...
Beijos

Ana
PS: onde estão os comentários de sua ruiva ?

Zúnica disse...

Olá, Anita!

Realmente, não tinha me ocorrido na hora, mas o quinto e o sexto parágrafos poderiam, sim, ser trocados, daria mais linearidade. Vou fazer isso.

Com relação ao cheiro que escorre pelas narinas, a idéia é justamente essa. Assim como um roseiral têm um cheiro macio, confortável, morno, a cidade noturna tem um cheiro ocre, praticamente palpável, viscoso a ponto de sentir preso ao corpo, sentir-se pegajoso pelo cheiro, e sentir como se ele fosse despejado dentro de nossas narinas como um duto de esgoto (nossa, tô punk hoje!).

Hahaha! Já pedi pra ruiva comentar meus textos, acho que agora ela vai se dedicar a isso. Ela voltou a escrever agora, tá com um blog linkado no meu, o Bullet with butterfly wings!

Valeu, psora!

Fernando Thadeu disse...

Cara muito loko tudo isso...achei o texto mais "violento" de todos. Quem me conhece sabe muito bem q "violento" é o meu maior elogio, deste meu vasto vocabulário ignorante. Tenho certeza que aprenderei com as pessoas certas desta forma.

O nome Pândega quer traduzir nosso propósito: fazer o que gostamos - escrever - e trocar idéias, sem qualquer pretensão que não seja nos divertir e festejar.