sexta-feira, 11 de janeiro de 2008

Esse tal mundo free

Por Fábio Pereira

O sujeito não entendeu nada quando chegou do trabalho e se assentou à mesa do jantar. Nela, havia uma pessoa a mais: um garoto de roupas bem simples, mas limpas, chamado Gaio. Era o novo namorado da filha adolescente e fora conhecer os sogros. Até aí, tudo normal.
Chegadas as panelas transbordantes de comida, algo mais estranho ainda. O cardápio era sopa. Sopa e água. Nada de cerveja nem refrigerante. Reclamou à esposa. Esta explicou tão diretamente que o sujeito quis morrer: aquele era um jantar freegan, típico de uma tribo de mesmo nome que adora produtos ditos “naturebas” e não aceita nada que seja industrializado.
Ele já tinha visto algo sobre isso na TV. A esposa continuou explicando e disse que aquela mesa era servida em respeito à filhinha e ao Gaio, ambos novos convertidos à ideologia freegan. Explicou também o motivo daquele par de bicicletas no quintal. “Sei, sei... essa gente prefere não poluir”, rosnou ele. E, enquanto sorvia o caldo quente, foi ruminando um inconformismo sem fim.
A certa altura, aquele pai resolveu quebrar o silêncio. Perguntou ao Caio (“É Gaio, papai! Gaio!”)... perguntou ao Gaio o que ele faria para sobreviver e sustentar uma família. O menino, de corpo franzino, olhos bem miúdos e voz finíssima, garantiu que sustento não era problema e foi, em seguida, relatando os números do desperdício em uma capital como São Paulo. Segundo ele, alimento bom para o consumo é facilmente achado em meio ao lixo da grande metrópole. “Lixo!”, gritou o pai surpreendido. E lá se foi uma involuntária cusparada de sopa pela mesa toda.
Bem de noite, no reduto do quarto, a esposa tentava acalmar o infeliz. Dizia que aqueles meninos freegans pregavam uma ideologia bonita de se ver e ouvir. Eram só paz, combatiam o consumo exagerado, não queriam poluir e, além disso, gostavam de viver em comunidade, uns ajudando aos outros. E lembrou ao marido contrariado que aquela era a sociedade com a qual a geração deles, ainda jovem, tinha sonhado. O sujeito, enfim, se tranqüilizou um pouco. Para ele, ideal aquele menino não era, mas devia ser boa pessoa. Bem no fundo. E a esposa contente prometeu pagar a compreensão com uma reconfortante massagem nas costas. Daquele jeito que ele adorava.
O garotinho freegan, no fundo, era gente boa mesmo. Ia contra o sistema capitalista sem, no entanto, se revestir de uma belicosidade terrível. O que aquele casal de pais, agora sogros de um revolucionário, nem desconfiava é que o vizinho Eduardo, garoto com quem antigamente sonhava casar a sua filhinha amada, escolheu uma outra revolução para realizar. Edu conheceu uns garotos na faculdade e se tornou um anarquista extremista de elite. O que isso quer dizer? Sei lá... O fato é que o seu grupo pretende, daqui a dois dias, promover um atentado contra um líder político. E, com certeza, nenhum integrante estará montado em bicicleta. Revoluções as mais diversas são fáceis de se tramar em uma democracia.

O sujeito não entendeu nada quando chegou do trabalho e se assentou à mesa do jantar. Nela, havia uma pessoa a mais: um garoto de roupas bem simples, mas limpas, chamado Gaio. Era o novo namorado da filha adolescente e fora conhecer os sogros. Até aí, tudo normal.
Chegadas as panelas transbordantes de comida, algo mais estranho ainda. O cardápio era sopa. Sopa e água. Nada de cerveja nem refrigerante. Reclamou à esposa. Esta explicou tão diretamente que o sujeito quis morrer: aquele era um jantar freegan, típico de uma tribo de mesmo nome que adora produtos ditos “naturebas” e não aceita nada que seja industrializado.
Ele já tinha visto algo sobre isso na TV. A esposa continuou explicando e disse que aquela mesa era servida em respeito à filhinha e ao Gaio, ambos novos convertidos à ideologia freegan. Explicou também o motivo daquele par de bicicletas no quintal. “Sei, sei... essa gente prefere não poluir”, rosnou ele. E, enquanto sorvia o caldo quente, foi ruminando um inconformismo sem fim.
A certa altura, aquele pai resolveu quebrar o silêncio. Perguntou ao Caio (“É Gaio, papai! Gaio!”)... perguntou ao Gaio o que ele faria para sobreviver e sustentar uma família. O menino, de corpo franzino, olhos bem miúdos e voz finíssima, garantiu que sustento não era problema e foi, em seguida, relatando os números do desperdício em uma capital como São Paulo. Segundo ele, alimento bom para o consumo é facilmente achado em meio ao lixo da grande metrópole. “Lixo!”, gritou o pai surpreendido. E lá se foi uma involuntária cusparada de sopa pela mesa toda.
Bem de noite, no reduto do quarto, a esposa tentava acalmar o infeliz. Dizia que aqueles meninos freegans pregavam uma ideologia bonita de se ver e ouvir. Eram só paz, combatiam o consumo exagerado, não queriam poluir e, além disso, gostavam de viver em comunidade, uns ajudando aos outros. E lembrou ao marido contrariado que aquela era a sociedade com a qual a geração deles, ainda jovem, tinha sonhado. O sujeito, enfim, se tranqüilizou um pouco. Para ele, ideal aquele menino não era, mas devia ser boa pessoa. Bem no fundo. E a esposa contente prometeu pagar a compreensão com uma reconfortante massagem nas costas. Daquele jeito que ele adorava.
O garotinho freegan, no fundo, era gente boa mesmo. Ia contra o sistema capitalista sem, no entanto, se revestir de uma belicosidade terrível. O que aquele casal de pais, agora sogros de um revolucionário, nem desconfiava é que o vizinho Eduardo, garoto com quem antigamente sonhava casar a sua filhinha amada, escolheu uma outra revolução para realizar. Edu conheceu uns garotos na faculdade e se tornou um anarquista extremista de elite. O que isso quer dizer? Sei lá... O fato é que o seu grupo pretende, daqui a dois dias, promover um atentado contra um líder político. E, com certeza, nenhum integrante estará montado em bicicleta. Revoluções as mais diversas são fáceis de se tramar em uma democracia.

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O nome Pândega quer traduzir nosso propósito: fazer o que gostamos - escrever - e trocar idéias, sem qualquer pretensão que não seja nos divertir e festejar.